Novo estudo do IPEA e as narrativas de colapso da Previdência Social
O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou recentemente um estudo chamado “Evolução e projeção de longo prazo de contribuintes e beneficiários e implicações para o financiamento da previdência social”, constatando que dentro de alguns anos a previdência social terá mais beneficiários do que contribuintes, em tom de assombro e de projeção de um futuro colapso das contas públicas.
Sobre essa pesquisa, gostaria de destacar alguns fatores contraditórios que, contudo, vão dando base para as narrativas sobre a necessidade de reformas na previdência social.
A pesquisa menciona como principais pontos problemáticos dessa equação o envelhecimento da população e o aumento dos benefícios de prestação continuada da assistência social, popularmente conhecido como BPC/LOAS ou apenas LOAS.
Ressalvas foram feitas em relação aos impactos do aumento do nível de informalidade nas relações de trabalho (que reduz potencialmente a quantidade de contribuintes) e quanto às alterações promovidas pela reforma da previdência social em 2019 (que tende a reduzir a quantidade e os valores dos benefícios concedidos).
Porém, esses fatores são apontados como de menor afetação no balanço futuro entre número de contribuintes versus número de benefícios concedidos, considerando tais determinantes não seriam suficientes para “compensar a tendência estrutural decorrente da demografia”, bem como que a reforma da previdenciária possui diversas regras de transição.
Em primeiro lugar, o processo de precarização das relações de trabalho, que teve o seu ápice regulatório com a reforma trabalhista em 2017, resultando no maior grau de informalidade, é elemento crucial para compreender qualquer projeção sobre a redução do número de contribuintes. Não é uma questão menor, ela é a causa.
Em segundo lugar, a reforma da Previdência realizou alterações relacionadas ao tempo de contribuição para a aposentadoria, aumentou a idade mínima para a aposentadoria, alterou a forma de cálculo de todos os benefícios, resultando em valores de benefícios muito inferiores. Então, esse é um fator relevante para pensar a projeção do número de benefícios concedidos e o que se gastará com eles no futuro.
Bom, para além desses pontos problemáticos, outro fator que precisa ser destacado é o financiamento da seguridade social. É um tema desagradável, complexo, extenso, que não tem potencial algum de popularização. No entanto, o seu desconhecimento leva a conclusões muito equivocadas sobre a previdência social, especialmente em relação aos temas relacionados ao “déficit” ou rombo da previdência, gerando consequências graves já que são as principais causas das reformas previdenciárias, em prejuízo das trabalhadoras e trabalhadores.
O que o financiamento da seguridade social tem a ver com a pesquisa do IPEA?
Inicialmente, é fundamental saber que a Seguridade é composta pela saúde, previdência social e assistência Social, de modo que os recursos que entram custeiam, especialmente, políticas nessas três áreas. Os valores da Seguridade Social são os seguintes:
I – receitas da União; III – receitas de outras fontes; II – receitas das contribuições sociais.
As famosas contribuições sociais correspondem, portanto, apenas uma das fontes da Seguridade Social, e são as seguintes:
I dos trabalhadores em geral; I – dos empregadores domésticos; III das empresas, incidentes sobre a remuneração paga à pessoa a seu serviço e sobre faturamento e lucro; VI – as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos (ou seja, todo e qualquer sorteio de números, loteria, aposta, etc.).
Desse resumo já se nota que a Seguridade tem diversas fontes de financiamento.
As contribuições sociais têm destinação específica para pagar os benefícios previdenciários, devendo a União arcar com eventuais ausências de recursos, ou seja, as contribuições sociais se destinam à previdência, mas não somente esses recursos.
Não são apenas as contribuições das trabalhadoras e trabalhadores, ou seja, aquelas que são descontadas do salário, que financiam os benefícios previdenciários, são todas as contribuições sociais, esse é um imaginário recorrente, porém equivocado.
Um último destaque se refere ao BPC/LOAS.
Esse é um benefício no valor de um salário mínimo mensal a pessoas com 65 anos ou mais de idade e a pessoas com deficiência, cuja renda per capita familiar mensal não seja maior que um quarto do salário (atualmente até R$ 353,00 por pessoa).
Ocorre que o benefício da Assistência Social e o seu custeio provém dos recursos destinados às políticas de assistência, ou seja, a base que financia esses benefícios não são diretamente contribuições sociais, as quais possuem destinação específica para o pagamento dos benefícios da Previdência Social.
Assim, torna-se contraditório considerar nessa balança o montante de BPC/LOAS concedidos e sua projeção futura para tal análise, porque não tem relação direta com as contribuições sociais das trabalhadoras e trabalhadores.
Significa que a equação menos contribuintes versus mais benefícios, não possui relação direta com o número de contribuintes trabalhadores/as (enquanto financiamento) e o BPC/LOAS (enquanto benefício numericamente relevante na projeção de concessões futuras).
Esses fatores contraditórios vão, pouco a pouco, dando base para as narrativas de rombo nas contas da previdência, as quais fundamentam futuras reformas que sempre resultam na redução do que resta de “proteção social” para a classe trabalhadora.
Estudo IPEA: