Envelhecer no Brasil: o que o ENEM não contou para a juventude
3,5 milhões de pessoas, sobretudo jovens, escreveram sobre envelhecer, mas como será que esses próprios jovens conseguirão envelhecer?
A redação do ENEM deste ano, “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”, convocou milhões de pessoas, majoritariamente jovens, a refletir sobre direitos, desigualdades e o envelhecimento. Entretanto, uma questão central se fez ausente: quais são as perspectivas de envelhecimento da juventude que hoje entram em um mercado de trabalho cada vez mais precarizado?
A precarização não é um desvio: é um projeto. E é impossível discutir envelhecimento sem encarar o fato de que a forma atual das relações de trabalho “desidrata” a base material da seguridade social.
Desde a reforma trabalhista de 2017, consolidou-se um modelo de informalidade organizada e a figura do trabalhador “empreendedor de si mesmo”. Somam-se a isso as reformas da Previdência, que elevaram as idades, ampliaram tempos de contribuição, complexificaram os cálculos e restringiram o acesso à proteção social.
Mas percebam que a precarização das relações de trabalho e a desconstituição da previdência pública caminham juntas.
O jovem que hoje faz bicos, trabalha por aplicativos ou vive sob jornadas intermitentes: não contribui regularmente; não acumula tempo suficiente; não alcança os requisitos elevados pelas reformas; não constrói uma proteção social minimamente sólida.
O resultado é uma juventude que chega ao mercado já excluída da possibilidade de, no futuro, acessar a Previdência Social.
E quando o público é sucateado, o privado agradece!
Além de corroer os pilares do financiamento previdenciário, essa precarização vem acompanhada de outro movimento estratégico: o sucateamento progressivo dos serviços públicos e da previdência pública, abrindo caminho para que planos privados se tornem a única alternativa “viável”.
Nos últimos anos, bancos e seguradoras expandiram agressivamente seus produtos voltados à aposentadoria. E fazem isso pois projetam o futuro que está sacramentado a partir da precarização das relações de trabalho, porque quanto mais difícil for se aposentar pelo sistema público, maior o mercado potencial da previdência privada, tornando-se um ciclo que se retroalimenta:
- precarização do trabalho — redução da arrecadação;
- sucateamento do serviço público — descrença na proteção social;
- dificuldade de acesso com reformas restritivas — empurra a população para o setor privado;
- fortalecimento do capital financeiro, não a segurança social.
Assim, envelhecer com dignidade torna-se, mais ainda, um privilégio de quem pode pagar e não um direito universal garantido.
Quem tem direito de viver mais?
Os textos motivadores do ENEM lembram que o envelhecimento é atravessado por desigualdades de classe, raça e gênero. Mas o ponto estrutural é ainda mais severo: não só envelhecemos de forma desigual, no Brasil, sequer temos a mesma chance de envelhecer.
Se essa realidade já é brutal hoje, imaginem daqui a 40 anos, quando a geração do ENEM 2025 tiver vivido décadas sob informalidade, fragilidade contributiva e ausência de políticas públicas robustas.
Imagine essa geração quando da aplicação da prova do ENEM daqui a 40 anos, como estarão vivendo o seu próprio envelhecimento?
Inevitavelmente terão que pensar em suas próprias condições de vida. Seria um bom convite para um reencontro com a reflexão produzida no Enem 2025. Talvez encontrem “proteção social” somente no dicionário.
A prova convocou jovens a pensar sobre o envelhecimento dos outros, mas o passo seguinte precisa outra reflexão igualmente incômoda: que envelhecimento será possível quando o trabalho precarizado não garante direitos e quando a previdência pública é desmontada para favorecer a privatização do futuro?